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Diário de Sansa

Data vênia, o amor

     Quando se conheceram no fórum foram acometidas de forte atração instantânea de natureza afetivo-passional, ou como dizemos nós, não-bacharéis em direito, amor à primeira vista. Encasteladas em seus terninhos, trocaram mesuras em latim, e seguiram flertando em juridiquês. Um doutora pra cá, um doutora pra lá, e logo misturaram petições e compartilham seus prazos. Porém, por conta do trabalho, elas acabavam sempre se encontrando entre ou depois de sessões e despachos, o que não deixava espaço para saírem totalmente de seus personagens. Uma delas, moradora da praça, mais afeita aos afetos, sentia que havia oportunidade para que esse acerto amoroso informal fosse objeto de um aditivo, ou quem sabe, de uma cláusula de perpetuidade. Então, para colocar a teste a relação num ambiente real, ela chamou a outra para o chorinho.

     Para não deixar dúvidas de quem era, a salvadorenha se fantasiou dela mesma. Chinelos, shorts, e aquela camisa do Flusão na Libertadores de 2023 assinada pelo Cano. A outra, que não sabia o que a esperava, apenas fez uma variação dos tailleurs para um domingo de sol: bermuda preta, camisa de manga comprida animal print, óculos escuros, e sandália romana.

     Quando se viram em suas identidades civis, o choque foi grande, mas conseguiram esconder suas reações. Passaram bem pelo chorinho, pelos amigos biriteiros da praça, e até pelo afilhado da salvadorenha que insistiu que as duas o assistissem pintando um desenho bem bonito no parquinho.         

     Bateu a fome e surgiu o teste final: onde almoçar? Para colocar o relacionamento nascente à prova, foram ao Barzinho. O desconforto da outra, entre PFs e garrafas de Heineken, era patente, mas a salvadorenha ainda tinha esperança. Quando a garçonete perguntou o que iam pedir, a outra pediu para sair. Como, doutora?

     Estava esperando que elas fossem superar as barreiras sociais e culturais para viver um grande amor? Desculpe, mas a vida não é novela da Glória Perez. A praça pode ser incrível, mas não é para todo mundo; nem todo mundo é para a praça. Melhor para a salvadorenha, né?, que descobriu isso cedo.

     Data Venia, doutora, Data Venia.

* Lisandro Gaertner é escritor e mora na Praça São Salvador

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