
Jornal colaborativo, não-oficial e democrático da República Independente de Laranjeiras
Edição # 13
"Cherchez la femme!"
Folhetim noir de Roberto Muggiati. O capítulo anterior narrou em flashback a breve mas heróica temporada do clarinetista João no time sub-20 do Fluminense. E continuam as buscas pelos suspeitos de sua morte. O corpo de João foi encontrado na Praça do Choro, na General Glicério. Mas não estava morto, pois fugiu do IML. Já a tentativa de morte ocorreu e delegado Godofredo continua tentando elucidar o crime. O texto a seguir possui doses cavalares de sexo e erudição.
Mistério na Glicério
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Art pop de Roy
Lichestenstein.
Histórias mirabolantes rolavam a respeito de Odete, santa e puta. O nome já provocava associações contraditórias. Da menina carioca morta aos nove anos e em processo de canonização, Odetinha, à odiosa vilã Odete Roitman do folhetim eletrônico da Globo. O delegado Godofredo vinha elaborando um dossiê sobre a dona do Café Azteca em que era muito tênue a fronteira entre fato e fantasia. Quando estagiara em Londres na New Scotland Yard tomara um banho de literatura anglófona. Associou o romance de Faulkner Santuário – em que a heroína é estuprada com uma espiga de milho – a um suposto estupro de Odete com uma pequena lanterna cilíndrica, ferramenta de trabalho da amiga adolescente Laura, “lanterninha” do Cinema Azteca, no Catete, propriedade do seu pai.
Recentemente, vendo o filme argentino XXY, estrelado por Ricardo Darin, Godofredo refez sua suposição: Laura seria uma hermafrodita que privilegiava no sexo a função erétil do pênis. Teria desvirginado Odete numa saleta do Azteca durante uma projeção de O exorcista, antes da demolição do cinema em 1973. Aparentemente, Odete não ficara traumatizada. Não gostava de homem e nunca tivera um relacionamento hétero. Chegaria até a homenagear a lembrança batizando o seu café de Azteca.
Odete era a típica sophisticated lady: jazz, rock, blues e bossa nova, nouvelle vague, filme noir, Sartre & Simone, Salinger, Clarice Lispector. Já Maria Clara, sua garçonete promovida a gerente, era uma cabecinha oca, Odete adorava roçar seu corpo no dela por entre as mesas do café. Apaixonada, erguera no santuário azteca para Maria Clara o céu que a protegia.

O Cinema Azteca, no Catete, no exato momento em que foi demolido, em 1973.