
Jornal colaborativo, não-oficial e democrático da República Independente de Laranjeiras
Edição # 13
Encontros e desencontros
Rapaz conhece moça. Moça é noiva. Rapaz manda flores, ela joga fora. Como é dona de uma delicatessen,
a Rafinnée, no Flamengo, ele sabe onde encontrá-la. Mas, por algum motivo, decide deixar quieto.
Karina, o nome da moça. Do olhar de fogueira. O rapaz segue sua vida, no jornal onde trabalha. E assim
podiam ter se perdido para sempre, como às vezes acabam os grandes amores que nem começaram. Podiam. Mas a vida, o destino, um cupido de asa torta não queria que fosse assim. Acontecia de se esbarrarem às vezes.
Uma delas, entre as quinquilharias da Babilônia Feira Hype, quando ainda era na Fundição Progresso.
Embora não se falassem, não tivessem nenhuma convivência, havia um entendimento imediato. Simpatia, vontade de quero mais. Aparlemado, ele comprou uma camisa de palhaço, colorida, que deveria ter ficado para sempre no fundo do armário. Usava mesmo assim.
Depois, o show do Bob Dylan, na Praça da Apoteose. O rapaz não tinha tido nem tempo de ir em casa. O crítico de rock faltou e foi convocado na última hora, na redação. A roupa suja e a barba malfeita, cansado, depois de oito horas de trabalho. Ela, não. Karina estava no meio da pista, cercada de amigos, rindo, como se estivesse numa festa. Linda.
Brilhava mais do que Bob, no palco. Ele não cantou nada do que o repórter e conhecesse, como Hurricane, Mr. Tamborine Man ou Blowing in the Wind. Mas mandou ver numa versão ainda mais anasalada de Lay, Lady Lay. A letra estava lá e dizia tudo: “His clothes are dirty, but his hands are clean / And you're the best thing / That he's ever seen”.
Trocaram um olhar, mas não teve coragem de ir falar com ela. E, quando mudou de ideia, não a encontrou mais. Tinha se perdido na multidão. Enquanto isso, Dylan cantava como quem enfia uma faca no coração do sujeito apaixonado: “Why wait any longer for the one you love / When she's standing in front of you? Vacilão.
O mais engraçado é que, anos depois, Karina irá jurar de pés juntos que não foi a este show. Mas ele a viu, sim, com certeza. Terá ela esquecido? “Nem gosto de Bob Dylan.” Era a prova de que estava vendo a moça em todo lugar.
* Ricardo Linck é editor desta República.