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Maldita sopa de Cebola

Rapaz conhece moça. Moça é noiva. Ela é dona de uma delicatessen, a Raffinée, no Flamengo, e se esbarram às vezes pela cidade. Acabam se encontrando - ao menos ele acha que a viu no show do Bob Dylan. Mas o rapaz amarela e não vai falar com Karina, a tal moça. Nunca se perdoou por isso.

     Movido pelo remorso, resolve enfim tomar uma atitude. Passa na Raffinée como quem não quer nada. Ou melhor, para comprar um boursin de Queijo de Cabra, que conheceu lá e adorou. Karina estava atrás do balcão. Era linda, sim, mas não era só isso. Uma alegria, uma energia divertida. Como chegar numa festa, tirar a sorte grande na loteria.

     Conversaram. Tomou coragem e fez o convite:

     - Que tal a gente sair pra conversar...

     Ela não respondeu. Ficou de pensar.

     Ligou uns dias depois (as pessoas ainda ligavam para celular). Tinha pensado. E topado. Mas para evitar que fosse um “encontro” marcou na Lagoa, onde malhava. Ou seja, não era um date mas só... o quê? Um bate-papo na Lagoa, pronto.

     Ele chegou de bermudas e camiseta branca da Calvin Klein. Perfume discreto. Um lance casual. Ela de legging preta, tênis, toda suada. Cabelos soltos. Feromônios no ar.

     Como encontrar uma noiva e não estar no crime?

     Impossível. A tensão não ajudou. Nem o prato que ele pediu no quiosque. Uma sopa de Cebola.

“Quem pede uma sopa de Cebola no primeiro encontro?”, pensou ela, horrorizada. (Ah, então era encontro?) “Cilada!” O currículo dele também não ajudava. Ex-mulher, briga pela guarda do filho, mil problemas... “Cilaaaaaada.”

     O rapaz também estranhou o pedido da moça. Uma sobremesa. Não gostou. Pediu outra. Quem pede duas sobremesas? Tinha tudo para dar errado. Tonteados, foi cada um para o seu lado. Que tal ir cuidar da minha vida?, pensou ele. Não faltava o que cuidar. Mas acordou no dia seguinte pensando na moça.     

     Ligou. Ela não atendeu.

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* Ricardo Linck é editor da República.

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